Ilustração: Aline Sentone
É questão de etiqueta: todos que costumam utilizar a internet com frequência sabem que ESCREVER TUDO EM CAPS LOCK não é algo desejável na maioria das situações. Além de passar a sensação de que a pessoa que empregou o recurso está gritando, o uso de letras com o mesmo tamanho torna muito mais difícil a leitura de um texto.
Porém, a tecla que virou sinônimo de falta de educação e ódio não nasceu com o objetivo de provocar esse tipo de sentimento. O recurso, que teve sua origem nas velhas máquinas de datilografia, visava simplesmente ajudar a redigir textos que necessitavam de algum tipo de ênfase, em uma época em que inexistiam o negrito e o itálico.
Neste artigo, fazemos uma viagem pela história do Caps Lock, mostrando desde suas origens nobres até os projetos que pretendem extingui-lo para sempre em um futuro próximo. Após a leitura, deixe sua opinião sobre o assunto em nossa seção de comentários, mas não sem antes verificar se a TECLA NÃO ESTÁ ATIVADA.
Origem nobre
Quando foi criado, o Caps Locks nem sequer tinha o nome pelo qual ficou conhecido, sendo chamado de Shift Lock na época. Lançada em 1914, a máquina de escrever Remington Junior foi uma das primeiras a incorporar o recurso, que tinha o objetivo de facilitar a digitação de letras maiúsculas.
A nomenclatura usada para batizar a então novidade tem origem clara: a tecla Shift (que significa alterar ou substituir), surgida pela primeira vez em 1878. Como não havia meios de diferenciar trechos importantes de um trabalho, muitas vezes era necessário deixar o botão pressionado manualmente durante longos períodos para criar uma composição em caixa alta.
Pensando nisso, foi desenvolvida a tecla que fazia esse trabalho de forma automática, o que acelerava em muito o trabalho de digitação. Como os teclados que usamos atualmente foram totalmente inspirados nas máquinas de escrever, a função foi mantida sem que seus efeitos colaterais negativos fossem levados em conta.
A primeira máquina a contar com a opção foi o Datapoint 2200, lançado em 1970, que logo foi seguido pelo Xerox Alto — disponibilizado em 1973, o aparelho é considerado por muitos como o primeiro computador com características realmente pessoais. No entanto, o estabelecimento do Caps Lock como um padrão só ocorreu em 1984 com a chegada do IBM Model M, que determinou o layout usado pela maioria das máquinas até hoje.
Os primeiros sinais do ódio
A origem do ódio que há atualmente contra o Caps Lock pode ser encontrada na Usenet, durante o período em que a internet como a conhecemos ainda dava os primeiros passos. Nessa época, a grande maioria das comunicações era feita essencialmente através de textos publicados em quadros de mensagens, e as opções de formatação não eram tão vastas quanto as disponíveis atualmente.
Essa situação fez com que o uso exclusivo de letras maiúscula passasse a servir como uma ferramenta para que as pessoas indicassem que estavam gritando. Outro exemplo de convenção criada na época foi o uso de asteriscos para indicar que determinado termo estava recebendo a *ênfase* que lhe era necessária.
Desde esse momento inicial começaram a surgir pessoas que, alheias ao real propósito do recurso que tinham em mãos, iniciaram os primeiros abusos. Conforme a rede mundial de computadores foi se tornando popular, o número de casos cresceu em ritmo alarmante, especialmente entre pessoas que não entendem o real propósito da tecla Caps Lock e acham que palavras digitadas em letras maiúsculas facilitam a visualização das palavras.
Letras que podem custar seu emprego
Embora seja difícil encontrar quem não tenha problemas com textos escritos somente em caixa alta, muitas vezes fica a impressão de que essa praga está se espalhando de maneira cada vez mais rápida.
Enquanto até pouco tempo atrás textos do tipo surgiam principalmente em emails escritos por familiares mais velhos ou com problemas de vista, hoje em dia basta abrir o Twitter ou o Facebook para ver diversas publicações em que o autor abusou do Caps Lock.
Mais do que simplesmente irritar seus conhecidos, o uso excessivo de letras maiúsculas pode fazer com que você perca o seu emprego. Em 2007, Vicki Walker foi demitida de seu trabalho na empresa neozelandesa ProCare Health por enviar uma quantidade excessiva de mensagens contendo palavras em caixa alta destacadas em vermelho e negrito.
Segundo a empresa, Vicki estava perturbando a harmonia entre seus colegas com um excesso de textos em que demonstrava falta de paciência e até mesmo agressividade. Como isso não constitui motivos para uma demissão com justa causa, a companhia foi forçada a pagar US$ 17 mil para a ex-funcionária devido ao fato.
Movimentos anti-Caps Lock
Em resposta ao uso excessivo do Caps Lock, surgiram pela rede diversos movimentos que apoiam a sua total eliminação de qualquer espécie de dispositivo. A esperança é a de que, caso as pessoas não tenham acesso à tecla, simplesmente vão deixar de escrever mensagens de uma maneira que agride a visão.
Exemplo dessa luta é o site sueco anticAPSLOCK, que desde 2001 espalha a ideia de que o recurso deveria ser exterminado. Segundo os administradores da página, seu objetivo é “remover o botão de todos os teclados fabricados no futuro”.
Outro endereço que possui um objetivo semelhante é a CAPSoff.org, que inclusive chegou a formular uma carta aberta aos fabricantes sugerindo diversas mudanças no design dos teclados que chegam às lojas. Além de pedir que a tecla seja totalmente eliminada, o texto sugere a adição de um novo teclado numeral e de entradas para fones de ouvido em todos os dispositivos fabricados no futuro.
Esperanças para o futuro
Embora seja difícil pensar em um cenário no qual o Caps Lock simplesmente deixe de existir, já existem empresas que investem em dispositivos nos quais ela não está mais presente. Exemplo disso é a Google, que em sua linha Chromebook a partir do modelo CR-48 substituiu o botão por uma tecla que aciona o sistema-padrão de buscas do aparelho.
Outro exemplo é o padrão Colemak, terceiro mais usado no mundo (atrás do QWERTY e do Dvorak), que não apresenta nenhuma espécie de traço da existência do recurso. Até mesmo as máquinas do programa “Um Laptop por Criança” (OLPC) aboliram totalmente a presença da tecla, que foi substituída por um botão “Ctrl” a mais.
Embora iniciativas do tipo ainda sejam pontuais, elas mostram que há maneiras inteligentes de substituir o Caps Lock por recursos que realmente fazem a diferença na hora de usar o computador. Para aqueles que ainda insistem em abusar das letras em caixa alta, o “Shift” continuará sendo uma opção — só esperamos que o desconforto de ter que ficar segurando o botão sirva para desestimular essa prática.